2/23/2012

Doêntia (Contos e personagens de terror)

Doêntia era uma pessoa que aos olhos dos comuns mortais seria "normal", mas na realidade era uma mente transtornada pelas crueldades da vida... uma conformista da mágoa, da dor, da solidão, daquilo que nada mais do que a própria mentira poderia sarar uma ferida aberta e putrida escondida pelas vestes do seu dia-a-dia... o que a fazia feliz, era falar dos azares e das derrotas dos outros à sua volta... talvez fosse a forma de se vingar daquilo que outrora teria sentido na sua própria pele. Doêntia acumulava os seus pensamentos mais obscuros e obscenos na sua alma, que com o tempo se foram cristalizando em maldade, em sinismo para com os outros que sorvia com astúcia e serenidade. O seu desporto favorito era fazer-se de vítima e "agarrar" emocionalmente através da pena, da culpa inexistente mas plasmada na dicotomia social do mundo, da compaixão proveniente de pessoas puras de essência que fariam quase tudo para a ajudar. Ria-se por dentro quando mostrava as suas pernas podres que exibia com orgulho por sofrer em silêncio... achando-se assim melhor e mais forte do que os outros, os altos fofos e salientes pompoavam à medida que o sangue passava naquelas veias monstruosas e cárneas... a sua redenção provinha do vómito constante que provocava, do nojo inevitável e visível para aqueles que a acompanhavam... desgraçados em agonia... quando secretamente tinham de ouvir falar das lombrigas que dizia sentir vivas no seu ventre... se contassem a alguém, ninguém iria acreditar e poderiam passar por loucos. Os arrepios pela espinha acima, causados pelo nojo... faziam com que o sistema nervoso central de quem a ouvisse estremecesse e ficasse à mercê do seu canibalismo energético... ela lá esteve, firme nas suas mentiras dissimuladas, refugiada na espiritualidade falsa que sangrava apenas aquilo que lhe convinha... era no meio dos mortos que se sentia viva... pois assim... sabia que pela dor dos outros, pela crédula esperança dos pobres de fé... iria respirar mais e mais a alma daqueles que caíssem nas suas teias pegajosas, pestilentas e ilusórias... e era pelo abraço quente de uma tal viúva negra... e eles caíam pela dor... eles caíam pelo sofrimento, eles iam por aquilo que não acreditam ter dentro de si mesmos... recebiam... mas eram cobrados a triplicar... talvez a sua alma, talvez a alma... isso... ela já não tinha...


Todas as histórias e personagens deste blogue são fictícias... qualquer semelhança com alguma vossa macabra ou doentia realidade... é pura coincidência.

2/12/2012

Rumo aos céus...


          Sentei-me no colo, sentei-me no colo de mim e chorei... chorei de dor... chorei de mágoa... chorei de perda. Gritei para dentro... de onde em surdina arranquei com força o som da minha alma... olhei... olhei para mim e sorri... sorri que nem uma perdida... de ironia, de estupidez, de ignorância... de ingenuidade pura... sorri e encolhi os ombros... mais uma vez. Tentei agarrar a luz que teima em fugir por entre os meus dedos, tão dificil de manter... tão difícil de guardar... tão difícil de raiar... engulo o medo, engulo o trauma, engulo o ardor... dentro de mim é mais seguro... sou como um bambu contorcido... em espiral, rumo aos céus.